A AEM, associação que representa as empresas emitentes em Portugal, defende a avaliação dos custos e benefícios da regulação e alerta para o fardo da burocracia para as empresas

ENTREVISTA: Abel Sequeira Ferreira.

A Comissão Europeia tem sob consulta pública o Livro Verde em matéria de governo das sociedades. Qual foi a vossa resposta ao documento?

É uma consulta europeia com a possibilidade de algumas questões serem revertidas em legislação. Ao mesmo tempo, olhamos para o enquadramento jurídico em Portugal e percebemos que esses temas já se encontram tratados e, em alguns casos, vão mais além que a própria consulta. A nossa resposta vai neste sentido: o facto de a experiência portuguesa ir mais além daquilo que está em discussão a nível europeu, não deve significar que as soluções que se encontrarem sejam acolhidas. Qualquer tipo de regulação gera benefícios e custos, o que significa que não é possível continuar num caminho em que as recomendações surgem, a regulação está lá e nunca se percebe quais são os custos e as vantagens. Em Portugal está por fazer o trabalho de parar, olhar para as regras existentes e perceber se fazem sentido. Não nos parece que seja o verdadeiro processo de revisão aquele que de dois em dois anos faz com o número de regras aumente sempre, sem que nunca se conclua se há qualquer coisa que não é necessária ou não é eficiente.

 

O documento questiona a possibilidade de uma maior intervenção legislativa em termos de regulação. E da parte da AEM?

Da parte da AEM, é claro que a regulação que existe já é excessiva, não é o momento para mais regulação. É o momento para avaliar o que existe e tentar criar regulação mais proporcional, com maior qualidade, mais transparente e que cumpra o princípio essencial de que a regulação só deve existir para resolver um problema. Mas isso não significa que quando exista um problema tenha de ser resolvido com regulação. O Livro Verde é colocado em consulta na sequência de uma crise financeira, mas nós não tivemos os problemas e questões tão graves relacionadas com a crise. Portanto, a regulação que temos não respondeu à resolução de problemas porque os problemas não existiram. Quando dizemos que não deve haver mais regulação e que deve ser reduzida, estamos a falar sobre os mercados e as entidades que já estão reguladas. Mas continuam a existir mercados, instrumentos e entidades que não estão regulados. Nesses casos entendemos que há trabalho para fazer.

 

Seria prejudicial para as empresas uma maior regulamentação do sistema de governo das sociedades?

A burocracia é sempre prejudicial. Existem custos administrativos associados, além da desvantagem que dá às empresas na sua internacionalização. Esta burocracia tem de ser levantada, as empresas não podem continuar debaixo deste fardo, têm de se libertar. Esta é uma discussão que é necessário fazer: a partir de que momento é que deixamos de falar em regulação e passamos a falar de burocracia.

 

Mas uma menor regulação não implica riscos maiores para o mercado?

Não, depende do que estivermos a falar. Numa situação em que os problemas só podem ser resolvidos com regulação e ela não existe, ter menor regulação implica riscos. Mas ter menor regulação, se a que existe for excessiva e for um obstáculo ao desenvolvimento económico, implica um só risco, que é o não desenvolvimento da economia devido ao peso excessivo da burocracia. Ao reduzirmos a burocracia estamos a reduzir o principal risco, que é o de não conseguirmos desenvolver e crescer porque as empresas estão esmagadas pelo peso da burocracia.

 

Que avaliação faz da CMVM?

Em matéria de governo de sociedades, a CMVM teve a iniciativa de no momento certo iniciar a discussão e fazer surgir as primeiras recomendações. Mas depois houve um crescimento da complexidade. Se tivermos princípios regulatórios de proporção, de transparência, e se nos focarmos nos problemas que existem, então teremos uma melhor regulação em Portugal. Se a tivermos, os reguladores ficam mais libertos para fazer coisas mais úteis. Considero que a CMVM é um interlocutor essencial e fundamental para pensar no futuro do mercado de capitais português e com o qual podemos e devemos contar.

 

Quais são os objectivos da AEM?

O objectivo principal é a representação dos interesses das empresas emitentes em Portugal, que pode ser atingido da melhor forma com o desenvolvimento do mercado de capitais. Temos um conjunto de prioridades estratégicas com o objectivo de contribuir para que o mercado de capitais possa desenvolver-se, modernizar-se, ganhar competitividade e atrair mais empresas e investidores. Este é o momento adequado para regressarmos à essência do mercado de capitais: permitir que as empresas encontremos seus investidores e possam financiar-se.

 

E quais são as prioridades estratégicas para 2011?

O acompanhamento dos processos regulatórios, o acompanhamento de todos os processos e iniciativas relacionadas com o governo das sociedades e questões relacionadas com os custos. Ligadas a esta última prioridade estão as iniciativas de ajuda às empresas de pequena e média dimensão. Outras das nossas prioridades estratégicas centram-se na identificação dos accionistas, na criação de um espírito de comunidade entre as empresas associadas e a realização do fórum anual.

 

O fórum já tem data marcada?

A previsão é que decorra na segunda quinzena de Novembro. Poderá ser um momento muito importante de reflexão sobre o que deve ser o futuro do mercado de capitais em Portugal.

 

Quais as maiores dificuldades das empresas vossas associadas?

As dificuldades normais de quem está numa economia com a actual situação, quer do ponto de vista das fragilidades conhecidas quer do ponto de vista reputacional. Por melhores que sejam as nossas empresas, não deixam de sofrer a contaminação do risco reputacional do Estado.

 

Vão ter mais associadas?

Sim, estamos a trabalhar no sentido de aumentar o número de empresas associadas até ao final do ano. Representamos as entidades emitentes e não exclusivamente as empresas do PSI-20. Além das cotadas, temos dez outras empresas já associadas e estamos em conversações com um conjunto de outras empresas cotadas.

 

O resultado das eleições poderá ser benéfico para as empresas?

O que acho benéfico para o País é que exista estabilidade, que saibamos, do ponto de vista da nossa organização e estrutura política, como é que as coisas se passam com uma estabilidade de médio e longo prazo. Com uma situação estável, com uma estratégia e libertas do peso da burocracia, as empresas portuguesas conseguem fazer tão bem ou melhor que as suas concorrentes internacionais.